Direto ao ponto:
O Brasil foi um dos únicos países
das Américas que não lutou pela sua independência. Ela foi concedida
espontaneamente pelo império colonizador.
O Brasil foi o último país do
planeta a abolir a escravidão (sem qualquer compensação aos escravos por anos
de criminosa exploração), sob o argumento das oligarquias que, sem escravos, o
custo de produção seria insustentável e a economia do país quebraria.
O Brasil é um país que, sempre que
há qualquer tentativa de diminuir minimamente as desigualdades sociais com um
pingo de ascensão social dos explorados, há sucessivos golpes de estado e a
retomada do poder pelas velhas elites econômicas.
O Brasil terminou 24 anos de
ditadura militar sangrenta com um aperto de mãos amigável, e ainda homenageou os
torturadores assassinos com nomes de ruas, praças e avenidas.
Se houvesse um grande país no mundo
em que autoridades e uma grande parte da população negassem a gravidade de uma
pandemia que está chocando todo o mundo, colocando em risco a vida de milhões
de pessoas em nome da economia, esse país só poderia ser o Brasil.
Estudos científicos realizados por
todo o planeta mostram, invariavelmente, que o distanciamento social salva
vidas, muitas vidas. Estudos feitos pelo Imperial College, renomada instituição de
ciência, tecnologia e medicina em Londres, estimam que
no Brasil, com isolamento social elevado, há a previsão de cerca de 40 mil
mortos pela pandemia, já sem qualquer isolamento, esse número poderia passar de
1 milhão de mortos. A diferença é gigantesca.
Mesmo
que você não esteja em um grupo suscetível a desenvolver a doença, você ainda
pode transmitir o vírus para pessoas em situação de maior risco, e mesmo que
você tenha um bom plano de saúde que te dê mais acesso a leitos de UTI, você
pode transmitir o vírus para pessoas que necessitam do sistema público de
saúde. Então, o isolamento social não é apenas uma forma de prevenção
individual, é, acima de tudo, um ato de cidadania.
Mas, aqui
no Brasil, adota-se o argumento de que a retração econômica ocasionada pelo
isolamento social levaria muitas pessoas à miséria e, consequentemente,
causaria perda de vidas. Esse argumento é uma falácia.
Vejamos
o PIB Brasileiro, que é o somatório de toda a “riqueza” que é produzida no
País, e em 2019 foi de 7,3 trilhões de reais. Vamos fazer uma suposição bastante
rigorosa de que o isolamento social de alguns meses retraísse esse PIB anual em
aproximadamente 20% e, portanto, o PIB para este ano poderia ser aproximadamente
6 trilhões. Isso equivale a um PIB per capita anual de cerca de R$ 36.500,00
(aproximadamente R$ 3.000 mensais).
Considerando que um quarto de toda a população brasileira atualmente sobrevive
com menos de R$ 420,00 mensais, percebe-se que, de alguma forma, há recursos
suficientes para que todos os brasileiros sobrevivam a um isolamento rigoroso
por algum tempo. Mas, para isso, a classe média e as elites econômicas deverão
abrir mão de alguns de seus privilégios e de parte de sua renda por alguns
meses, e é exatamente aqui que está o problema.
O
fato é que só representantes de entidades empresariais saíram às ruas em seus
carros pressionando o governo para terminar com o isolamento social e pedindo a
abertura da economia. Os trabalhadores assalariados, autônomos, desempregados e
população pobre em geral não fizeram qualquer movimentação nesse sentido.
O
triste dessa história é que nenhum dos que saíram às ruas em carreatas pressionando
pelo retorno da atividade econômica estará nos ônibus lotados, em linhas de
montagem confinadas ou no atendimento do público em centros comerciais
aglomerados.
Mesmo
no início do isolamento, quando a grande maioria da população ficou realmente
em casa por cerca de 10 dias, essas pessoas que saíram posteriormente às ruas provavelmente
não estavam satisfeitas, só estavam com receio de externar suas convicções
egoístas e precisavam que algum imbecil aparecesse para lançar a ideia de que a
economia valia mais do que vidas humanas.
E
ninguém melhor que o rei dos imbecis para fazer isso. Então ele, o Presidente
Jair Bolsonaro, em rede nacional, fez um discurso cheio de mentiras e falácias,
dizendo que a população precisava voltar à normalidade imediatamente, que a
pandemia se tratava de uma gripezinha, que o Brasil já tinha uma cura para a
doença, que só idosos eram contaminados e por aí vai. Só nesse discurso ele
cometeu uns 15 crimes de responsabilidade, além de tentar provocar um
verdadeiro genocídio.
Como
resposta do sistema “democrático com instituições fortes”, o Presidente recebeu alguns pares de notas
de repúdio, e no dia seguinte seguiu com as suas atrocidades.
O Brasil
parece um país bastante complexo, mas, no fundo, é bastante lógico.
Então,
logicamente, vamos perder essa batalha de novo. As pessoas aos poucos vão
voltando às ruas e aos ônibus lotados, vão se convencendo através de falácias,
mentiras oficiais e subnotificações grosseiras, de que a pandemia aqui no
Brasil é branda, ao contrário do que vem acontecendo em todo o resto do mundo.
Ou então simplesmente são obrigadas a entrarem nesses ônibus para não perderem
seus empregos e o sustento de suas famílias.
De
qualquer forma, para todas as pessoas que continuam lutando pela vida e por
justiça social no Brasil, deixo um recado: A história do país já cansou de
mostrar, e dessa vez provavelmente não será diferente, que os ratos têm total
desprezo pela vida humana, então, mais uma vez, perderemos essa batalha.
Mas não
desista, pois perderemos de novo, de novo e de novo. Perderemos quantas vezes
forem necessárias para podermos dormir com a consciência tranquila e para
podermos sair às ruas, quando essa loucura terminar, de cabeça erguida, prontos
para as próximas derrotas.
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