- Meu Deus! Aquelas
pessoas estão se atirando naquele penhasco!
- Sim, estou indo
pra lá também.
- Como assim? Você
também vai se jogar?
- Claro, está todo
mundo se jogando.
- Mas é perigoso,
tem pessoas machucadas e até mortas lá embaixo.
- Relaxa, é só um
penhasquinho. De cada 100 pessoas que estão se jogando, menos de dez
estão se machucando com alguma gravidade e apenas uma está
morrendo. Além disso, o capitão falou que se comer jujubas antes de
saltar, a queda se torna menos grave.
- Mas isso não faz
o menor sentido!
- Cara, tu é muito
chato. Cada um tem suas opiniões.
- Que loucura! Isso
não é uma questão de opinião, é questão de ciência.
- Tu não recebeu no
WhatsApp aquele vídeo daquele médico que defende o uso de jujubas
para a prevenção de quedas em penhasco?
- Por favor não
salta, você pode se machucar.
- Não me venha com
esses papos sentimentais, tu tem que ser menos maricas. Vamos lá,
venha junto. Ou vai ficar aqui com esses poucos radicais que se
recusam a saltar?
Em
uma época atípica, resolvi tentar dar uma pequena colaboração
para quem está em casa. Em uma situação completamente nova para
todos nós, nada mais adequado que novidades para acompanhar esse
nosso tempo.
Então,
resolvi indicar uma pequena playlist
aqui nesse blog, já que fiz poucos textos falando especificamente sobre música neste espaço
até hoje. Seguem 8 novidades musicais, nacionais, lançadas nos
primeiros 4 meses do ano de 2020 e que julgo serem boas músicas.
Com
isso, já tento contestar o discurso que ouvi algumas vezes de que
não se faz mais música boa atualmente. Quero tentar mostrar que
esse argumento é muito mais baseado no saudosismo do debatedor do
que na realidade.
Vamos
à lista:
ARNALDO
ANTUNES – O REAL RESISTE
Essa
música, na verdade, foi lançada como single no final de 2019, mas
como o álbum ao qual ela pertence, homônimo, foi lançado já em
2020, coloquei na lista.
O
Arnaldo Antunes é um dos maiores letristas da história da música
brasileira, e mais uma vez ele conseguiu compor algo primoroso. Do
jeito que só ele escreve, a letra fala sobre todas as coisas
terríveis e até inacreditáveis que vem acontecendo, especialmente
no Brasil: “autoritarismo”,
“terraplanistas”
e “tirania
eleita pela multidão”;
e cita que esse tipo de coisa “só
pode ser ilusão”.
Nesse contexto entra a frase que dá o título à música: “O
real resiste”,
dizendo que a realidade, cedo ou tarde, se impõe, sempre acaba
resistindo.
A
letra foi escrita antes da chegada do Coronavírus por aqui e, até
por isso, pode ser considerada meio profética. Esses dias li um
pequeno texto que dizia algo mais ou menos assim: Nada como uma
ameaça de morte generalizada para restabelecer a autoridade da
ciência sobre os fatos e seus desdobramentos. Brincar de Terra plana
é fácil. Morrer de Coronavírus já é menos sedutor.
Ou
seja, a ciência e as Universidades, tão atacadas pelos lunáticos
na internet e até por inacreditáveis Ministros do Governo Federal,
tiveram que ser chamadas para socorrer a população quando o terror
de uma pandemia bateu à nossa porta. O REAL RESISTE!!!
RASHID
– APAVÔRU
Essa
música representa muito bem a linha moderna de RAP, com instrumentos
musicais muito bem tocados e ótimas melodias misturados com o
tradicional Rhythm
And
Poetry.
A música tem uma excelente energia e um ritmo contagiante.
A
propósito, o disco inteiro, intitulado 7ão
Real
é muito bom, recomendo a audição completa do mesmo. Faço uma
menção especial também à música Todo
Dia,
que fala de racismo, um tema bastante recorrente no RAP por razões
óbvias, e aproveita para atirar críticas certeiras:
“Em
meio à nuvem de fumaça e efeito moral De
uma falsa moral Seca
o choro na bandeira Enquanto
nossas lágrimas regam o seu laranjal”.
TRUPE
CHÁ DE BOLDO – ARQUITETOTAL
Essa
banda não é exatamente uma banda convencional. A banda possui 13
integrantes. Tem fortes influências da Tropicália: Tom Zé,
Mutantes...
Essa
música que listei tem fortes aspectos progressivos, com rifes
marcantes, variações de ritmo e instrumentos muito bem tocados.
Definitivamente, na minha modesta opinião, uma ótima composição,
a altura de grandes clássicos da música brasileira.
VIVENDO
DO ÓCIO – CÊ PODE
A
banda baianalançou
recentemente um disco com 10 músicas. Basicamente é um bom disco de
rock, com boa energia, bons arranjos, boas melodias e bons timbres.
A
música Cê
Pode
é a música de abertura do disco, e é um clamor por diversidade e
liberdade, além de trazer ótimos conselhos:
“Que
adianta riqueza e pobreza de alma? Adianta
ter tudo e viver numa jaula?”.
PROJOTA
– SALMO 23
Um
pouco de religião certamente também é válido durante uma
pandemia. Essa música cita um famoso salmo bíblico que diz “O
Senhor é meu pastor e nada me faltará”.
É
mais um ótimo RAP com ótima letra e ritmo, o que é bastante comum
nas músicas do Projota. A letra conta uma história difícil de
vida, mas entrega também uma mensagem de esperança e força muito
forte.
Partes
da letra são precisas:
“Tem
gente que é tão pobre que só tem dinheiro
Tem gente que é
tão feia que só tem beleza”.
ZECA
BALEIRO – VOCÊ NÃO QUER DIVIDIR O AVIÃO
Fazer
uma relação de músicas feitas no Brasil no período de janeiro a
abril e não colocar nenhuma marchinha carnavalesca seria uma grande
falha, então acrescentei essa música do disco Escória,
do Zeca Baleiro, lançado no período do Carnaval. O disco conta com
quatro marchinhas recheadas de críticas sociais e políticas. Vale a
pena ouvir todas.
A
propósito, é muito comum na história humana que, em períodos
nebulosos e sombrios, como o que estamos vivendo no Brasil, a arte
floresça de maneira muito forte e contestadora. Isso está cada vez
mais visível em vários segmentos artísticos pelo país inteiro. O
carnaval, a maior festa popular brasileira, não teria como ficar de
fora.
LETRUX
- SENTE O DRAMA
Letrux
é o nome artístico da cantora carioca Letícia Pinheiro de Novaes.
A
música que coloquei ali tem variações rítmicas muito
interessantes e um instrumental realmente muito bom.
GABRIEL
ELIAS - PENSAMENTOS SOLTOS
Para
deixar a lista mais eclética, acrescentei um reggae, no estilo bem
clássico que é feito aqui no Brasil.
A
música tem uma boa energia e uma mensagem bastante positiva. __________________________ Espero
que gostem. Sugestões, críticas, elogios e comentários são sempre muito bem vindos. Se quiserem, aqui tem os links para a playlist diretamente nas plataformas. Spotify (agradecimento especial ao meu amigo Diego Altieri): https://open.spotify.com/playlist/4n8WNhgfW4K7Ztnp3i0STi?si=MCMVaCVbRv6fGaPCaoO5zg
E lembrem-se: Diversos
estudos científicos no mundo inteiro mostram claramente que, na
pandemia, quando é diminuída a taxa de isolamento social, o número
de mortes aumenta de maneira exponencial. Escrevi semana passada
sobre isso neste link: O País dos Ratos. Então,
faça o possível (e até um pouco mais) para ficar em casa. Salve
vidas, proteja sua família e toda a sociedade. Ficar
em casa é um ato de cidadania e, no Brasil, é um ato
revolucionário.
O Brasil foi um dos únicos países
das Américas que não lutou pela sua independência. Ela foi concedida
espontaneamente pelo império colonizador.
O Brasil foi o último país do
planeta a abolir a escravidão (sem qualquer compensação aos escravos por anos
de criminosa exploração), sob o argumento das oligarquias que, sem escravos, o
custo de produção seria insustentável e a economia do país quebraria.
O Brasil é um país que, sempre que
há qualquer tentativa de diminuir minimamente as desigualdades sociais com um
pingo de ascensão social dos explorados, há sucessivos golpes de estado e a
retomada do poder pelas velhas elites econômicas.
O Brasil terminou 24 anos de
ditadura militar sangrenta com um aperto de mãos amigável, e ainda homenageou os
torturadores assassinos com nomes de ruas, praças e avenidas.
Se houvesse um grande país no mundo
em que autoridades e uma grande parte da população negassem a gravidade de uma
pandemia que está chocando todo o mundo, colocando em risco a vida de milhões
de pessoas em nome da economia, esse país só poderia ser o Brasil.
Estudos científicos realizados por
todo o planeta mostram, invariavelmente, que o distanciamento social salva
vidas, muitas vidas. Estudos feitos pelo Imperial College, renomada instituição de
ciência, tecnologia e medicina em Londres,estimam que
no Brasil, com isolamento social elevado, há a previsão de cerca de 40 mil
mortos pela pandemia, já sem qualquer isolamento, esse número poderia passar de
1 milhão de mortos. A diferença é gigantesca.
Mesmo
que você não esteja em um grupo suscetível a desenvolver a doença, você ainda
pode transmitir o vírus para pessoas em situação de maior risco, e mesmo que
você tenha um bom plano de saúde que te dê mais acesso a leitos de UTI, você
pode transmitir o vírus para pessoas que necessitam do sistema público de
saúde. Então, o isolamento social não é apenas uma forma de prevenção
individual, é, acima de tudo, um ato de cidadania.
Mas, aqui
no Brasil, adota-se o argumento de que a retração econômica ocasionada pelo
isolamento social levaria muitas pessoas à miséria e, consequentemente,
causaria perda de vidas. Esse argumento é uma falácia.
Vejamos
o PIB Brasileiro, que é o somatório de toda a “riqueza” que é produzida no
País, e em 2019 foi de 7,3 trilhões de reais. Vamos fazer uma suposição bastante
rigorosa de que o isolamento social de alguns meses retraísse esse PIB anual em
aproximadamente 20% e, portanto, o PIB para este ano poderia ser aproximadamente
6 trilhões. Isso equivale a um PIB per capita anual de cerca de R$ 36.500,00
(aproximadamente R$ 3.000 mensais).Considerando que um quarto de toda a população brasileira atualmente sobrevive
com menos de R$ 420,00 mensais, percebe-se que, de alguma forma, há recursos
suficientes para que todos os brasileiros sobrevivam a um isolamento rigoroso
por algum tempo. Mas, para isso, a classe média e as elites econômicas deverão
abrir mão de alguns de seus privilégios e de parte de sua renda por alguns
meses, e é exatamente aqui que está o problema.
O
fato é que só representantes de entidades empresariais saíram às ruas em seus
carros pressionando o governo para terminar com o isolamento social e pedindo a
abertura da economia. Os trabalhadores assalariados, autônomos, desempregados e
população pobre em geral não fizeram qualquer movimentação nesse sentido.
O
triste dessa história é que nenhum dos que saíram às ruas em carreatas pressionando
pelo retorno da atividade econômica estará nos ônibus lotados, em linhas de
montagem confinadas ou no atendimento do público em centros comerciais
aglomerados.
Mesmo
no início do isolamento, quando a grande maioria da população ficou realmente
em casa por cerca de 10 dias, essas pessoas que saíram posteriormente às ruas provavelmente
não estavam satisfeitas, só estavam com receio de externar suas convicções
egoístas e precisavam que algum imbecil aparecesse para lançar a ideia de que a
economia valia mais do que vidas humanas.
E
ninguém melhor que o rei dos imbecis para fazer isso. Então ele, o Presidente
Jair Bolsonaro, em rede nacional, fez um discurso cheio de mentiras e falácias,
dizendo que a população precisava voltar à normalidade imediatamente, que a
pandemia se tratava de uma gripezinha, que o Brasil já tinha uma cura para a
doença, que só idosos eram contaminados e por aí vai. Só nesse discurso ele
cometeu uns 15 crimes de responsabilidade, além de tentar provocar um
verdadeiro genocídio.
Como
resposta do sistema “democrático com instituições fortes”, o Presidente recebeu alguns pares de notas
de repúdio, e no dia seguinte seguiu com as suas atrocidades.
O Brasil
parece um país bastante complexo, mas, no fundo, é bastante lógico.
Então,
logicamente, vamos perder essa batalha de novo. As pessoas aos poucos vão
voltando às ruas e aos ônibus lotados, vão se convencendo através de falácias,
mentiras oficiais e subnotificações grosseiras, de que a pandemia aqui no
Brasil é branda, ao contrário do que vem acontecendo em todo o resto do mundo.
Ou então simplesmente são obrigadas a entrarem nesses ônibus para não perderem
seus empregos e o sustento de suas famílias.
De
qualquer forma, para todas as pessoas que continuam lutando pela vida e por
justiça social no Brasil, deixo um recado: A história do país já cansou de
mostrar, e dessa vez provavelmente não será diferente, que os ratos têm total
desprezo pela vida humana, então, mais uma vez, perderemos essa batalha.
Mas não
desista, pois perderemos de novo, de novo e de novo. Perderemos quantas vezes
forem necessárias para podermos dormir com a consciência tranquila e para
podermos sair às ruas, quando essa loucura terminar, de cabeça erguida, prontos
para as próximas derrotas.