terça-feira, 1 de dezembro de 2020

A Tropa Segue

 



- Meu Deus! Aquelas pessoas estão se atirando naquele penhasco!

- Sim, estou indo pra lá também.

- Como assim? Você também vai se jogar?

- Claro, está todo mundo se jogando.

- Mas é perigoso, tem pessoas machucadas e até mortas lá embaixo.

- Relaxa, é só um penhasquinho. De cada 100 pessoas que estão se jogando, menos de dez estão se machucando com alguma gravidade e apenas uma está morrendo. Além disso, o capitão falou que se comer jujubas antes de saltar, a queda se torna menos grave.

- Mas isso não faz o menor sentido!

- Cara, tu é muito chato. Cada um tem suas opiniões.

- Que loucura! Isso não é uma questão de opinião, é questão de ciência.

- Tu não recebeu no WhatsApp aquele vídeo daquele médico que defende o uso de jujubas para a prevenção de quedas em penhasco?

- Por favor não salta, você pode se machucar.

- Não me venha com esses papos sentimentais, tu tem que ser menos maricas. Vamos lá, venha junto. Ou vai ficar aqui com esses poucos radicais que se recusam a saltar?

- Acho que vou ficar aqui sim.

- Tu é mesmo muito chato. Fui!!!




Texto relacionado:
O País dos Ratos




sexta-feira, 1 de maio de 2020

Novidades para ritmar a Quarentena

Janeiro a Abril de 2020



Em uma época atípica, resolvi tentar dar uma pequena colaboração para quem está em casa. Em uma situação completamente nova para todos nós, nada mais adequado que novidades para acompanhar esse nosso tempo.
Então, resolvi indicar uma pequena playlist aqui nesse blog, já que fiz poucos textos falando especificamente sobre música neste espaço até hoje. Seguem 8 novidades musicais, nacionais, lançadas nos primeiros 4 meses do ano de 2020 e que julgo serem boas músicas.
Com isso, já tento contestar o discurso que ouvi algumas vezes de que não se faz mais música boa atualmente. Quero tentar mostrar que esse argumento é muito mais baseado no saudosismo do debatedor do que na realidade.
Vamos à lista:

  • ARNALDO ANTUNES – O REAL RESISTE


Essa música, na verdade, foi lançada como single no final de 2019, mas como o álbum ao qual ela pertence, homônimo, foi lançado já em 2020, coloquei na lista.
O Arnaldo Antunes é um dos maiores letristas da história da música brasileira, e mais uma vez ele conseguiu compor algo primoroso. Do jeito que só ele escreve, a letra fala sobre todas as coisas terríveis e até inacreditáveis que vem acontecendo, especialmente no Brasil: “autoritarismo”, terraplanistas” e “tirania eleita pela multidão”; e cita que esse tipo de coisa “só pode ser ilusão”. Nesse contexto entra a frase que dá o título à música: “O real resiste”, dizendo que a realidade, cedo ou tarde, se impõe, sempre acaba resistindo.
A letra foi escrita antes da chegada do Coronavírus por aqui e, até por isso, pode ser considerada meio profética. Esses dias li um pequeno texto que dizia algo mais ou menos assim: Nada como uma ameaça de morte generalizada para restabelecer a autoridade da ciência sobre os fatos e seus desdobramentos. Brincar de Terra plana é fácil. Morrer de Coronavírus já é menos sedutor.
Ou seja, a ciência e as Universidades, tão atacadas pelos lunáticos na internet e até por inacreditáveis Ministros do Governo Federal, tiveram que ser chamadas para socorrer a população quando o terror de uma pandemia bateu à nossa porta. O REAL RESISTE!!!


  • RASHID – APAVÔRU


Essa música representa muito bem a linha moderna de RAP, com instrumentos musicais muito bem tocados e ótimas melodias misturados com o tradicional Rhythm And Poetry. A música tem uma excelente energia e um ritmo contagiante.
A propósito, o disco inteiro, intitulado 7ão Real é muito bom, recomendo a audição completa do mesmo. Faço uma menção especial também à música Todo Dia, que fala de racismo, um tema bastante recorrente no RAP por razões óbvias, e aproveita para atirar críticas certeiras:
Em meio à nuvem de fumaça e efeito moral
De uma falsa moral
Seca o choro na bandeira
Enquanto nossas lágrimas regam o seu laranjal”.


  • TRUPE CHÁ DE BOLDO – ARQUITETOTAL


Essa banda não é exatamente uma banda convencional. A banda possui 13 integrantes. Tem fortes influências da Tropicália: Tom Zé, Mutantes...
Essa música que listei tem fortes aspectos progressivos, com rifes marcantes, variações de ritmo e instrumentos muito bem tocados. Definitivamente, na minha modesta opinião, uma ótima composição, a altura de grandes clássicos da música brasileira.

  • VIVENDO DO ÓCIO – CÊ PODE


A banda baiana lançou recentemente um disco com 10 músicas. Basicamente é um bom disco de rock, com boa energia, bons arranjos, boas melodias e bons timbres.
A música Cê Pode é a música de abertura do disco, e é um clamor por diversidade e liberdade, além de trazer ótimos conselhos:
Que adianta riqueza e pobreza de alma?
Adianta ter tudo e viver numa jaula?”.


  • PROJOTA – SALMO 23


Um pouco de religião certamente também é válido durante uma pandemia. Essa música cita um famoso salmo bíblico que diz “O Senhor é meu pastor e nada me faltará”.
É mais um ótimo RAP com ótima letra e ritmo, o que é bastante comum nas músicas do Projota. A letra conta uma história difícil de vida, mas entrega também uma mensagem de esperança e força muito forte.
Partes da letra são precisas:
Tem gente que é tão pobre que só tem dinheiro
Tem gente que é tão feia que só tem beleza”.


  • ZECA BALEIRO – VOCÊ NÃO QUER DIVIDIR O AVIÃO


Fazer uma relação de músicas feitas no Brasil no período de janeiro a abril e não colocar nenhuma marchinha carnavalesca seria uma grande falha, então acrescentei essa música do disco Escória, do Zeca Baleiro, lançado no período do Carnaval. O disco conta com quatro marchinhas recheadas de críticas sociais e políticas. Vale a pena ouvir todas.
A propósito, é muito comum na história humana que, em períodos nebulosos e sombrios, como o que estamos vivendo no Brasil, a arte floresça de maneira muito forte e contestadora. Isso está cada vez mais visível em vários segmentos artísticos pelo país inteiro. O carnaval, a maior festa popular brasileira, não teria como ficar de fora.



  • LETRUX - SENTE O DRAMA


Letrux é o nome artístico da cantora carioca Letícia Pinheiro de Novaes.
A música que coloquei ali tem variações rítmicas muito interessantes e um instrumental realmente muito bom.


  • GABRIEL ELIAS - PENSAMENTOS SOLTOS


Para deixar a lista mais eclética, acrescentei um reggae, no estilo bem clássico que é feito aqui no Brasil.
A música tem uma boa energia e uma mensagem bastante positiva.


__________________________


Espero que gostem. 

Sugestões, críticas, elogios e comentários são sempre muito bem vindos.

Se quiserem, aqui tem os links para a playlist diretamente nas plataformas.

Spotify (agradecimento especial ao meu amigo Diego Altieri):

https://open.spotify.com/playlist/4n8WNhgfW4K7Ztnp3i0STi?si=MCMVaCVbRv6fGaPCaoO5zg


Youtube Music:

 https://music.youtube.com/playlist?list=PLU_xp8y4gdgPrEAqNpdDblVb7gTat0mKX



E lembrem-se:

Diversos estudos científicos no mundo inteiro mostram claramente que, na pandemia, quando é diminuída a taxa de isolamento social, o número de mortes aumenta de maneira exponencial. Escrevi semana passada sobre isso neste link: O País dos Ratos.

Então, faça o possível (e até um pouco mais) para ficar em casa. Salve vidas, proteja sua família e toda a sociedade.

Ficar em casa é um ato de cidadania e, no Brasil, é um ato revolucionário.



domingo, 26 de abril de 2020

O PAÍS DOS RATOS




Direto ao ponto:

O Brasil foi um dos únicos países das Américas que não lutou pela sua independência. Ela foi concedida espontaneamente pelo império colonizador.
            
O Brasil foi o último país do planeta a abolir a escravidão (sem qualquer compensação aos escravos por anos de criminosa exploração), sob o argumento das oligarquias que, sem escravos, o custo de produção seria insustentável e a economia do país quebraria.
            
O Brasil é um país que, sempre que há qualquer tentativa de diminuir minimamente as desigualdades sociais com um pingo de ascensão social dos explorados, há sucessivos golpes de estado e a retomada do poder pelas velhas elites econômicas.
            
O Brasil terminou 24 anos de ditadura militar sangrenta com um aperto de mãos amigável, e ainda homenageou os torturadores assassinos com nomes de ruas, praças e avenidas.
            
Se houvesse um grande país no mundo em que autoridades e uma grande parte da população negassem a gravidade de uma pandemia que está chocando todo o mundo, colocando em risco a vida de milhões de pessoas em nome da economia, esse país só poderia ser o Brasil.   
            
Estudos científicos realizados por todo o planeta mostram, invariavelmente, que o distanciamento social salva vidas, muitas vidas. Estudos feitos pelo Imperial College, renomada instituição de ciência, tecnologia e medicina em Londres, estimam que no Brasil, com isolamento social elevado, há a previsão de cerca de 40 mil mortos pela pandemia, já sem qualquer isolamento, esse número poderia passar de 1 milhão de mortos. A diferença é gigantesca.
            
Mesmo que você não esteja em um grupo suscetível a desenvolver a doença, você ainda pode transmitir o vírus para pessoas em situação de maior risco, e mesmo que você tenha um bom plano de saúde que te dê mais acesso a leitos de UTI, você pode transmitir o vírus para pessoas que necessitam do sistema público de saúde. Então, o isolamento social não é apenas uma forma de prevenção individual, é, acima de tudo, um ato de cidadania.

Mas, aqui no Brasil, adota-se o argumento de que a retração econômica ocasionada pelo isolamento social levaria muitas pessoas à miséria e, consequentemente, causaria perda de vidas. Esse argumento é uma falácia.

Vejamos o PIB Brasileiro, que é o somatório de toda a “riqueza” que é produzida no País, e em 2019 foi de 7,3 trilhões de reais. Vamos fazer uma suposição bastante rigorosa de que o isolamento social de alguns meses retraísse esse PIB anual em aproximadamente 20% e, portanto, o PIB para este ano poderia ser aproximadamente 6 trilhões. Isso equivale a um PIB per capita anual de cerca de R$ 36.500,00 (aproximadamente R$ 3.000 mensais).  Considerando que um quarto de toda a população brasileira atualmente sobrevive com menos de R$ 420,00 mensais, percebe-se que, de alguma forma, há recursos suficientes para que todos os brasileiros sobrevivam a um isolamento rigoroso por algum tempo. Mas, para isso, a classe média e as elites econômicas deverão abrir mão de alguns de seus privilégios e de parte de sua renda por alguns meses, e é exatamente aqui que está o problema.
            
O fato é que só representantes de entidades empresariais saíram às ruas em seus carros pressionando o governo para terminar com o isolamento social e pedindo a abertura da economia. Os trabalhadores assalariados, autônomos, desempregados e população pobre em geral não fizeram qualquer movimentação nesse sentido.
            
O triste dessa história é que nenhum dos que saíram às ruas em carreatas pressionando pelo retorno da atividade econômica estará nos ônibus lotados, em linhas de montagem confinadas ou no atendimento do público em centros comerciais aglomerados.   
            
Mesmo no início do isolamento, quando a grande maioria da população ficou realmente em casa por cerca de 10 dias, essas pessoas que saíram posteriormente às ruas provavelmente não estavam satisfeitas, só estavam com receio de externar suas convicções egoístas e precisavam que algum imbecil aparecesse para lançar a ideia de que a economia valia mais do que vidas humanas.
            
E ninguém melhor que o rei dos imbecis para fazer isso. Então ele, o Presidente Jair Bolsonaro, em rede nacional, fez um discurso cheio de mentiras e falácias, dizendo que a população precisava voltar à normalidade imediatamente, que a pandemia se tratava de uma gripezinha, que o Brasil já tinha uma cura para a doença, que só idosos eram contaminados e por aí vai. Só nesse discurso ele cometeu uns 15 crimes de responsabilidade, além de tentar provocar um verdadeiro genocídio.

Como resposta do sistema “democrático com instituições fortes”, o Presidente recebeu alguns pares de notas de repúdio, e no dia seguinte seguiu com as suas atrocidades.

O Brasil parece um país bastante complexo, mas, no fundo, é bastante lógico.
            
Então, logicamente, vamos perder essa batalha de novo. As pessoas aos poucos vão voltando às ruas e aos ônibus lotados, vão se convencendo através de falácias, mentiras oficiais e subnotificações grosseiras, de que a pandemia aqui no Brasil é branda, ao contrário do que vem acontecendo em todo o resto do mundo. Ou então simplesmente são obrigadas a entrarem nesses ônibus para não perderem seus empregos e o sustento de suas famílias.
            
De qualquer forma, para todas as pessoas que continuam lutando pela vida e por justiça social no Brasil, deixo um recado: A história do país já cansou de mostrar, e dessa vez provavelmente não será diferente, que os ratos têm total desprezo pela vida humana, então, mais uma vez, perderemos essa batalha.

Mas não desista, pois perderemos de novo, de novo e de novo. Perderemos quantas vezes forem necessárias para podermos dormir com a consciência tranquila e para podermos sair às ruas, quando essa loucura terminar, de cabeça erguida, prontos para as próximas derrotas.