domingo, 26 de abril de 2020

O PAÍS DOS RATOS




Direto ao ponto:

O Brasil foi um dos únicos países das Américas que não lutou pela sua independência. Ela foi concedida espontaneamente pelo império colonizador.
            
O Brasil foi o último país do planeta a abolir a escravidão (sem qualquer compensação aos escravos por anos de criminosa exploração), sob o argumento das oligarquias que, sem escravos, o custo de produção seria insustentável e a economia do país quebraria.
            
O Brasil é um país que, sempre que há qualquer tentativa de diminuir minimamente as desigualdades sociais com um pingo de ascensão social dos explorados, há sucessivos golpes de estado e a retomada do poder pelas velhas elites econômicas.
            
O Brasil terminou 24 anos de ditadura militar sangrenta com um aperto de mãos amigável, e ainda homenageou os torturadores assassinos com nomes de ruas, praças e avenidas.
            
Se houvesse um grande país no mundo em que autoridades e uma grande parte da população negassem a gravidade de uma pandemia que está chocando todo o mundo, colocando em risco a vida de milhões de pessoas em nome da economia, esse país só poderia ser o Brasil.   
            
Estudos científicos realizados por todo o planeta mostram, invariavelmente, que o distanciamento social salva vidas, muitas vidas. Estudos feitos pelo Imperial College, renomada instituição de ciência, tecnologia e medicina em Londres, estimam que no Brasil, com isolamento social elevado, há a previsão de cerca de 40 mil mortos pela pandemia, já sem qualquer isolamento, esse número poderia passar de 1 milhão de mortos. A diferença é gigantesca.
            
Mesmo que você não esteja em um grupo suscetível a desenvolver a doença, você ainda pode transmitir o vírus para pessoas em situação de maior risco, e mesmo que você tenha um bom plano de saúde que te dê mais acesso a leitos de UTI, você pode transmitir o vírus para pessoas que necessitam do sistema público de saúde. Então, o isolamento social não é apenas uma forma de prevenção individual, é, acima de tudo, um ato de cidadania.

Mas, aqui no Brasil, adota-se o argumento de que a retração econômica ocasionada pelo isolamento social levaria muitas pessoas à miséria e, consequentemente, causaria perda de vidas. Esse argumento é uma falácia.

Vejamos o PIB Brasileiro, que é o somatório de toda a “riqueza” que é produzida no País, e em 2019 foi de 7,3 trilhões de reais. Vamos fazer uma suposição bastante rigorosa de que o isolamento social de alguns meses retraísse esse PIB anual em aproximadamente 20% e, portanto, o PIB para este ano poderia ser aproximadamente 6 trilhões. Isso equivale a um PIB per capita anual de cerca de R$ 36.500,00 (aproximadamente R$ 3.000 mensais).  Considerando que um quarto de toda a população brasileira atualmente sobrevive com menos de R$ 420,00 mensais, percebe-se que, de alguma forma, há recursos suficientes para que todos os brasileiros sobrevivam a um isolamento rigoroso por algum tempo. Mas, para isso, a classe média e as elites econômicas deverão abrir mão de alguns de seus privilégios e de parte de sua renda por alguns meses, e é exatamente aqui que está o problema.
            
O fato é que só representantes de entidades empresariais saíram às ruas em seus carros pressionando o governo para terminar com o isolamento social e pedindo a abertura da economia. Os trabalhadores assalariados, autônomos, desempregados e população pobre em geral não fizeram qualquer movimentação nesse sentido.
            
O triste dessa história é que nenhum dos que saíram às ruas em carreatas pressionando pelo retorno da atividade econômica estará nos ônibus lotados, em linhas de montagem confinadas ou no atendimento do público em centros comerciais aglomerados.   
            
Mesmo no início do isolamento, quando a grande maioria da população ficou realmente em casa por cerca de 10 dias, essas pessoas que saíram posteriormente às ruas provavelmente não estavam satisfeitas, só estavam com receio de externar suas convicções egoístas e precisavam que algum imbecil aparecesse para lançar a ideia de que a economia valia mais do que vidas humanas.
            
E ninguém melhor que o rei dos imbecis para fazer isso. Então ele, o Presidente Jair Bolsonaro, em rede nacional, fez um discurso cheio de mentiras e falácias, dizendo que a população precisava voltar à normalidade imediatamente, que a pandemia se tratava de uma gripezinha, que o Brasil já tinha uma cura para a doença, que só idosos eram contaminados e por aí vai. Só nesse discurso ele cometeu uns 15 crimes de responsabilidade, além de tentar provocar um verdadeiro genocídio.

Como resposta do sistema “democrático com instituições fortes”, o Presidente recebeu alguns pares de notas de repúdio, e no dia seguinte seguiu com as suas atrocidades.

O Brasil parece um país bastante complexo, mas, no fundo, é bastante lógico.
            
Então, logicamente, vamos perder essa batalha de novo. As pessoas aos poucos vão voltando às ruas e aos ônibus lotados, vão se convencendo através de falácias, mentiras oficiais e subnotificações grosseiras, de que a pandemia aqui no Brasil é branda, ao contrário do que vem acontecendo em todo o resto do mundo. Ou então simplesmente são obrigadas a entrarem nesses ônibus para não perderem seus empregos e o sustento de suas famílias.
            
De qualquer forma, para todas as pessoas que continuam lutando pela vida e por justiça social no Brasil, deixo um recado: A história do país já cansou de mostrar, e dessa vez provavelmente não será diferente, que os ratos têm total desprezo pela vida humana, então, mais uma vez, perderemos essa batalha.

Mas não desista, pois perderemos de novo, de novo e de novo. Perderemos quantas vezes forem necessárias para podermos dormir com a consciência tranquila e para podermos sair às ruas, quando essa loucura terminar, de cabeça erguida, prontos para as próximas derrotas.