terça-feira, 10 de agosto de 2021

Não se iluda, o “clube-empresa” representa o fim do SEU clube.





Foi sancionada ontem a lei que permite que os clubes de futebol se tornem empresas, ou seja, que as hoje associações sem fim lucrativos se tornem uma sociedade anônima do futebol (SAF). Em resumo, significa que os clubes de futebol, hoje administrados por um Presidente e fiscalizados por um Conselho Deliberativo eleito por seus torcedores passariam para o controle de uma sociedade anônima de acionistas.

Mas no que isso realmente implica? 

Nem vou entrar em detalhes muito específicos da lei, vou me ater apenas nas questões mais óbvias. 

Primeiramente, é bom ressaltar que acionistas não são eleitos, ou seja, na prática, o torcedor do clube perderá sua representatividade, e não terá mais nenhum tipo de participação direta nas tomadas de decisões. Lembro ainda que os acionistas sequer necessitam ter qualquer ligação ou serem torcedores do clube. Nem vou entrar aqui no mérito dos vetos do governo na lei original que impedem que os torcedores tenham conhecimento dos nomes dos integrantes dos fundos de investimento atuantes na sociedade e retiram a obrigatoriedade de divulgação de quem são os acionistas da SAF. 

Torcedor, é possível que você, além de perder sua representatividade em todas as tomadas de decisão, sequer saiba quem são os donos (e o termo correto é exatamente esse) do clube. 

Hoje em dia a razão principal da existência dos clubes é o futebol profissional, isso é óbvio. Entretanto, os clubes estão intimamente ligados aos seus torcedores, e, por isso, se envolvem em diversas outras questões como a formação de atletas, fomento ao esporte amador e políticas de inclusão social. Não precisa ser um grande gênio para perceber que um clube-empresa tem um único objetivo, que é a exploração econômica da marca, e que na ordem de prioridades, isso vem inclusive antes dos resultados de campo do futebol. Basicamente os acionistas querem lucro e retorno do seu investimento, independentemente de qualquer outra coisa.

É tão óbvio que é até desnecessário alertar para o fato de que o torcedor com menos condições financeiras, que nas últimas décadas vem sendo cada vez mais afastado dos estádio, perderá de vez qualquer chance de assistir ao seu time do coração e será definitivamente excluído da vida do clube. 

Meu avô, mesmo morando no interior e não tendo grandes condições financeiras, na década de 60, fez questão de ajudar de alguma forma na construção do estádio Beira-Rio. A entrega do controle do clube (e do estádio) para acionistas seria um tapa na cara do meu avô e de todos os milhões de torcedores que ao longo da história do clube se sacrificaram, choraram e vibraram junto com o SEU TIME

A lei que foi promulgada é a Lei 14.193, é fácil acessá-la na internet. Se acha que estou exagerando, sugiro que leia você mesmo. A lei permite que o controle do clube seja passado inteiramente para a SAF, incluindo todo o patrimônio, estádio, símbolo, cores, hino, departamento de futebol… realmente tudo. 

A Lei cria, em um primeiro momento, a obrigatoriedade da emissão do que chamam de ações ordinárias classe A, para subscrição exclusivamente pelo clube ou pessoa jurídica original que a constituiu, e que correspondem ao mínimo de 10% das ações totais. E, no §4° do Art. 2° da Lei, há a seguinte redação: 

§ 4º Além de outras matérias previstas no estatuto da Sociedade Anônima do Futebol, depende da concordância do titular das ações ordinárias da classe A, independentemente do percentual da participação no capital votante ou social, a deliberação, em qualquer órgão societário, sobre as seguintes matérias: 
I - alteração da denominação; 
II - modificação dos signos identificativos da equipe de futebol profissional, incluídos símbolo, brasão, marca, alcunha, hino e cores; e 
III - mudança da sede para outro Município. 

Certamente vão vender esse parágrafo como uma espécie de segurança ao torcedor de que não trocarão os símbolos, cores e até a cidade do clube sem o seu consentimento, mas não se iluda, basta descer um pouco mais no texto para chegarmos ao “ovo da serpente”. 

§ 6º  Depende de aprovação prévia do clube ou pessoa jurídica original, que é titular de ações ordinárias da classe A, qualquer alteração no estatuto da Sociedade Anônima do Futebol para modificar, restringir ou subtrair os direitos conferidos por essa classe de ações, ou para extinguir a ação ordinária da classe A

Qualquer pessoa que acompanha minimamente o futebol sabe que os times possuem altos e baixos, todo torcedor sabe disso. Invariavelmente, haverá momentos de crises técnicas e financeiras no clube, seja ele qual for. Some um momento de forte crise no futebol, com a forte passionalidade do torcedor e com alguns acionistas majoritários com fortes influências econômicas junto ao Conselho Deliberativo e à imprensa, e estão criadas as condições ideais para a manobra política para exclusão definitiva das ações do tipo classe A e, consequentemente, para a exclusão definitiva da “pessoa jurídica original” da vida do clube. 

Depois disso, qualquer ação relacionada ao clube terá como único critério o retorno financeiro. Poderão mudar o nome do estádio do seu clube para o nome de alguma figura política, poderão mudar as cores do seu clube, poderão vender o estádio para a especulação imobiliária e construir outro estádio em um local “menos nobre” ou até em outra cidade. 

Na prática, transformar o clube de futebol em empresa significa basicamente pegar uma marca forte, forjada pelo suor, dedicação, sofrimento e emoção de milhões de pessoas ao longo de várias gerações e entregar de presente para acionistas obterem lucro com ela. Será, definitivamente, o fim do SEU clube.

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Guia Prático para Resolução de Todos os Problemas Sociais

Atenção: Contém ironia

Resolvi fazer uma breve lista com os principais problemas da nossa sociedade moderna e a solução para cada um deles. 

Obviamente que todas as soluções são extremamente simples, como é de se esperar de uma sociedade tão moderna como a nossa. Então, se você deseja se adaptar verdadeiramente e viver de acordo com os novos conceitos sociais, leve sempre contigo esse pequeno guia prático e não fique desatualizado:

Problema: Alta evasão escolar e muitas crianças fora da escola 
Solução: Sucatear o ensino público e diminuir a maioridade penal 

Problema: Crianças estão dormindo dentro de bueiros 
Solução: Colocar grades na entrada dos bueiros 

Problema: Mendigos estão dormindo em frente a sua propriedade
Solução: Colocar pontas de ferro no chão para que eles não possam se deitar 

Problema: Pessoas desabrigadas deitadas nos bancos das praças 
Solução: Colocar divisórias nos bancos 

Problema: Segmentos mais vulneráveis da sociedade reivindicando direitos básicos 
Solução: Acabar com os mecanismos de representatividade social e aumentar a desigualdade, tornando as pessoas vulneráveis ainda mais dependentes. Além disso, retirar do currículo das escolas públicas todos os conteúdos que possam estimular algum senso crítico nas pessoas. 

Problema: Racismo 
Solução: Apagar ou esconder todos os aspectos possíveis relacionados à diversidade cultural e institucionalizar execuções pelas forças de segurança do estado 

Problema: Altos níveis de violência e homicídio 
Solução: Facilitar a venda de armas 

Problema: Grande concentração de propriedades rurais nas mãos de poucos fazendeiros e muitos pequenos agricultores sem local para produzir 
Solução: Facilitar a venda de armas 

Problema: Altas taxas de feminicídio e estupro 
Solução: Culpar as vítimas e facilitar a venda de armas 

Problema: Violência contra a população LGBT+ 
Solução: Proibir qualquer vinculação relacionada à temática em espaços públicos e facilitar a venda de armas 

Problema: Genocídio das populações indígenas 
Solução: Confinar essas populações em locais cada vez menores, estereotipar a cultura dos povos não dominantes e facilitar a venda de armas 

Problema: Aumento exponencial da utilização de agrotóxicos nos alimentos, causando graves doenças na população 
Solução: Ignorar estudos científicos 

Problema: Destruição das florestas para criação de pastagens e extrativismo 
Solução: Sucatear e aparelhar os órgãos de fiscalização e de proteção ambiental e manipular os dados de desmatamento para que não sejam divulgados corretamente 

Problema: Alto grau de corrupção no governo 
Solução: Aparelhar as instituições de investigação e controle e impor sigilos de 100 anos a todas as operações suspeitas 

Problema: Aumento sistemático do desemprego e da desigualdade social 
Solução: Falar em meritocracia 

Problema: Altas taxas de mortalidade no trânsito 
Solução: Criar mecanismos legais que impeçam a atuação da fiscalização e criar narrativas fictícias incluindo sempre o termo “indústria da multa”

Problema: Uma pandemia mundial que força a sociedade a mudar seus hábitos 
Solução: Negar e agir normalmente 

Problema: Uma grave doença transmissível e sem cura que assola a população 
Solução: Inventar curas fictícias sem base científica, comprar com dinheiro público e distribuir remédios sem eficácia 

Problema: Altos gastos com Previdência 
Solução: Estimular a disseminação de um vírus mortal com altas taxas de letalidade entre os idosos 

Problema: Injustiças e ataques aos seus direitos individuais 
Solução: Ter gratidão 


“Você que tem ideias tão modernas é o mesmo homem que vivia nas cavernas”
Humberto Gessinger





terça-feira, 4 de maio de 2021

Quase Condenados

 


        Li há alguns dias um texto sobre um artigo publicado por um grupo de cientistas da Universidade Flinders, na Austrália, que categoricamente afirma que a humanidade está “quase condenada”, devido ao grave impacto das ações humanas sobre a biodiversidade do Planeta, e “quando compreendermos totalmente o impacto da deterioração ecológica, será tarde demais”.

        Citam ainda que O problema é agravado pela ignorância e pelo interesse próprio de curto prazo, com a busca por riquezas e interesses políticos atrapalhando a ação que é crucial para a sobrevivência”. Enfim, vou colocar o link no final deste texto para quem quiser dar uma lida. Vale a pena.

        Após a leitura, lembrei de março de 2020, quando o Mundo todo se abalou com o colapso do sistema de saúdes de países europeus devido à pandemia, que se alastrava pelo Planeta.

        As pessoas do mundo inteiro levaram um susto, o que fez com que uma boa parte da população mundial diminuísse o ritmo e buscasse refúgio em suas casas.

        Começaram a chover boas ações no mundo inteiro, mensagens de amor trocadas e, com a queda da atividade econômica, as emissões de carbono na atmosfera reduziram a níveis muito baixos. A partir disso, rios que antes eram turvos amanheceram cristalinos, espécies de aves que não eram vistas há anos surgiram nos céus, e as grandes cidades voltaram a ter um ar respirável, sem fumaça e fuligem.

        A natureza é bondosa, sempre nos manda avisos, sempre nos dá sinais quando precisamos corrigir rumos. Mas temos que ter a sabedoria para percebê-los.

        Nesse momento, tivemos uma chance única e preciosa de pararmos um pouco e repensarmos, como sociedade, toda a nossa forma de vida e nossos valores.

        Em vez disso, foram fomentados conflitos sociais e empilhamos mais de 3 milhões de corpos humanos (até agora), que morreram asfixiados e, na sua grande maioria, solitários.

        Temos que agir com mais cuidado, mais calma, andar mais devagar, prestar mais atenção ao nosso redor. A natureza é muito bondosa, mas também é implacável. Se persistirmos no erro de fechar os olhos para os terríveis males causados pela ganância e pelo egoísmo, estaremos todos condenados.

        Citando apenas um pequeno (mas emblemático) exemplo dessa rede perversa alimentada pela ganância: No Brasil, parte das Igrejas Evangélicas são o principal pilar de sustentação do Governo que levou o país à maior tragédia humanitária de sua história. O sustentam em troca de benefícios pessoais, de seu “Plano de Poder”, como diz o título de um dos livros escritos pelo bispo mais famoso e mais poderoso desse sistema.

        Em nome de Jesus, cometem atrocidades, estimulam conflitos, espalham mentiras e levam sofrimento a toda parte.

        Quem dera realmente tivéssemos a sabedoria necessária para ignorarmos interpretações prontas e falácias, para então percebermos a real mensagem que está escrita no Novo Testamento:


"Portanto eu lhes digo: não se preocupem com suas próprias vidas, quanto ao que comer ou beber; nem com seus próprios corpos, quanto ao que vestir. Não é a vida mais importante do que a comida, e o corpo mais importante do que a roupa?
Observem as aves do céu: não semeiam nem colhem nem armazenam em celeiros; contudo, o Pai celestial as alimenta. Não têm vocês muito mais valor do que elas?
Quem de vocês, por mais que se preocupe, pode acrescentar uma hora que seja à sua vida?
"Por que vocês se preocupam com roupas? Vejam como crescem os lírios do campo. Eles não trabalham nem tecem.
Contudo, eu lhes digo que nem Salomão, em todo o seu esplendor, vestiu-se como um deles.
Se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao fogo, não vestirá muito mais a vocês, homens de pequena fé?
Portanto, não se preocupem, dizendo: ‘Que vamos comer? ’ ou ‘que vamos beber? ’ ou ‘que vamos vestir?
Pois os pagãos é que correm atrás dessas coisas; mas o Pai celestial sabe que vocês precisam delas.
Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas.
Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã se preocupará consigo mesmo. Basta a cada dia o seu próprio mal".

Mateus 6:25-34


Texto citado:

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

A Tropa Segue

 



- Meu Deus! Aquelas pessoas estão se atirando naquele penhasco!

- Sim, estou indo pra lá também.

- Como assim? Você também vai se jogar?

- Claro, está todo mundo se jogando.

- Mas é perigoso, tem pessoas machucadas e até mortas lá embaixo.

- Relaxa, é só um penhasquinho. De cada 100 pessoas que estão se jogando, menos de dez estão se machucando com alguma gravidade e apenas uma está morrendo. Além disso, o capitão falou que se comer jujubas antes de saltar, a queda se torna menos grave.

- Mas isso não faz o menor sentido!

- Cara, tu é muito chato. Cada um tem suas opiniões.

- Que loucura! Isso não é uma questão de opinião, é questão de ciência.

- Tu não recebeu no WhatsApp aquele vídeo daquele médico que defende o uso de jujubas para a prevenção de quedas em penhasco?

- Por favor não salta, você pode se machucar.

- Não me venha com esses papos sentimentais, tu tem que ser menos maricas. Vamos lá, venha junto. Ou vai ficar aqui com esses poucos radicais que se recusam a saltar?

- Acho que vou ficar aqui sim.

- Tu é mesmo muito chato. Fui!!!




Texto relacionado:
O País dos Ratos




sexta-feira, 1 de maio de 2020

Novidades para ritmar a Quarentena

Janeiro a Abril de 2020



Em uma época atípica, resolvi tentar dar uma pequena colaboração para quem está em casa. Em uma situação completamente nova para todos nós, nada mais adequado que novidades para acompanhar esse nosso tempo.
Então, resolvi indicar uma pequena playlist aqui nesse blog, já que fiz poucos textos falando especificamente sobre música neste espaço até hoje. Seguem 8 novidades musicais, nacionais, lançadas nos primeiros 4 meses do ano de 2020 e que julgo serem boas músicas.
Com isso, já tento contestar o discurso que ouvi algumas vezes de que não se faz mais música boa atualmente. Quero tentar mostrar que esse argumento é muito mais baseado no saudosismo do debatedor do que na realidade.
Vamos à lista:

  • ARNALDO ANTUNES – O REAL RESISTE


Essa música, na verdade, foi lançada como single no final de 2019, mas como o álbum ao qual ela pertence, homônimo, foi lançado já em 2020, coloquei na lista.
O Arnaldo Antunes é um dos maiores letristas da história da música brasileira, e mais uma vez ele conseguiu compor algo primoroso. Do jeito que só ele escreve, a letra fala sobre todas as coisas terríveis e até inacreditáveis que vem acontecendo, especialmente no Brasil: “autoritarismo”, terraplanistas” e “tirania eleita pela multidão”; e cita que esse tipo de coisa “só pode ser ilusão”. Nesse contexto entra a frase que dá o título à música: “O real resiste”, dizendo que a realidade, cedo ou tarde, se impõe, sempre acaba resistindo.
A letra foi escrita antes da chegada do Coronavírus por aqui e, até por isso, pode ser considerada meio profética. Esses dias li um pequeno texto que dizia algo mais ou menos assim: Nada como uma ameaça de morte generalizada para restabelecer a autoridade da ciência sobre os fatos e seus desdobramentos. Brincar de Terra plana é fácil. Morrer de Coronavírus já é menos sedutor.
Ou seja, a ciência e as Universidades, tão atacadas pelos lunáticos na internet e até por inacreditáveis Ministros do Governo Federal, tiveram que ser chamadas para socorrer a população quando o terror de uma pandemia bateu à nossa porta. O REAL RESISTE!!!


  • RASHID – APAVÔRU


Essa música representa muito bem a linha moderna de RAP, com instrumentos musicais muito bem tocados e ótimas melodias misturados com o tradicional Rhythm And Poetry. A música tem uma excelente energia e um ritmo contagiante.
A propósito, o disco inteiro, intitulado 7ão Real é muito bom, recomendo a audição completa do mesmo. Faço uma menção especial também à música Todo Dia, que fala de racismo, um tema bastante recorrente no RAP por razões óbvias, e aproveita para atirar críticas certeiras:
Em meio à nuvem de fumaça e efeito moral
De uma falsa moral
Seca o choro na bandeira
Enquanto nossas lágrimas regam o seu laranjal”.


  • TRUPE CHÁ DE BOLDO – ARQUITETOTAL


Essa banda não é exatamente uma banda convencional. A banda possui 13 integrantes. Tem fortes influências da Tropicália: Tom Zé, Mutantes...
Essa música que listei tem fortes aspectos progressivos, com rifes marcantes, variações de ritmo e instrumentos muito bem tocados. Definitivamente, na minha modesta opinião, uma ótima composição, a altura de grandes clássicos da música brasileira.

  • VIVENDO DO ÓCIO – CÊ PODE


A banda baiana lançou recentemente um disco com 10 músicas. Basicamente é um bom disco de rock, com boa energia, bons arranjos, boas melodias e bons timbres.
A música Cê Pode é a música de abertura do disco, e é um clamor por diversidade e liberdade, além de trazer ótimos conselhos:
Que adianta riqueza e pobreza de alma?
Adianta ter tudo e viver numa jaula?”.


  • PROJOTA – SALMO 23


Um pouco de religião certamente também é válido durante uma pandemia. Essa música cita um famoso salmo bíblico que diz “O Senhor é meu pastor e nada me faltará”.
É mais um ótimo RAP com ótima letra e ritmo, o que é bastante comum nas músicas do Projota. A letra conta uma história difícil de vida, mas entrega também uma mensagem de esperança e força muito forte.
Partes da letra são precisas:
Tem gente que é tão pobre que só tem dinheiro
Tem gente que é tão feia que só tem beleza”.


  • ZECA BALEIRO – VOCÊ NÃO QUER DIVIDIR O AVIÃO


Fazer uma relação de músicas feitas no Brasil no período de janeiro a abril e não colocar nenhuma marchinha carnavalesca seria uma grande falha, então acrescentei essa música do disco Escória, do Zeca Baleiro, lançado no período do Carnaval. O disco conta com quatro marchinhas recheadas de críticas sociais e políticas. Vale a pena ouvir todas.
A propósito, é muito comum na história humana que, em períodos nebulosos e sombrios, como o que estamos vivendo no Brasil, a arte floresça de maneira muito forte e contestadora. Isso está cada vez mais visível em vários segmentos artísticos pelo país inteiro. O carnaval, a maior festa popular brasileira, não teria como ficar de fora.



  • LETRUX - SENTE O DRAMA


Letrux é o nome artístico da cantora carioca Letícia Pinheiro de Novaes.
A música que coloquei ali tem variações rítmicas muito interessantes e um instrumental realmente muito bom.


  • GABRIEL ELIAS - PENSAMENTOS SOLTOS


Para deixar a lista mais eclética, acrescentei um reggae, no estilo bem clássico que é feito aqui no Brasil.
A música tem uma boa energia e uma mensagem bastante positiva.


__________________________


Espero que gostem. 

Sugestões, críticas, elogios e comentários são sempre muito bem vindos.

Se quiserem, aqui tem os links para a playlist diretamente nas plataformas.

Spotify (agradecimento especial ao meu amigo Diego Altieri):

https://open.spotify.com/playlist/4n8WNhgfW4K7Ztnp3i0STi?si=MCMVaCVbRv6fGaPCaoO5zg


Youtube Music:

 https://music.youtube.com/playlist?list=PLU_xp8y4gdgPrEAqNpdDblVb7gTat0mKX



E lembrem-se:

Diversos estudos científicos no mundo inteiro mostram claramente que, na pandemia, quando é diminuída a taxa de isolamento social, o número de mortes aumenta de maneira exponencial. Escrevi semana passada sobre isso neste link: O País dos Ratos.

Então, faça o possível (e até um pouco mais) para ficar em casa. Salve vidas, proteja sua família e toda a sociedade.

Ficar em casa é um ato de cidadania e, no Brasil, é um ato revolucionário.



domingo, 26 de abril de 2020

O PAÍS DOS RATOS




Direto ao ponto:

O Brasil foi um dos únicos países das Américas que não lutou pela sua independência. Ela foi concedida espontaneamente pelo império colonizador.
            
O Brasil foi o último país do planeta a abolir a escravidão (sem qualquer compensação aos escravos por anos de criminosa exploração), sob o argumento das oligarquias que, sem escravos, o custo de produção seria insustentável e a economia do país quebraria.
            
O Brasil é um país que, sempre que há qualquer tentativa de diminuir minimamente as desigualdades sociais com um pingo de ascensão social dos explorados, há sucessivos golpes de estado e a retomada do poder pelas velhas elites econômicas.
            
O Brasil terminou 24 anos de ditadura militar sangrenta com um aperto de mãos amigável, e ainda homenageou os torturadores assassinos com nomes de ruas, praças e avenidas.
            
Se houvesse um grande país no mundo em que autoridades e uma grande parte da população negassem a gravidade de uma pandemia que está chocando todo o mundo, colocando em risco a vida de milhões de pessoas em nome da economia, esse país só poderia ser o Brasil.   
            
Estudos científicos realizados por todo o planeta mostram, invariavelmente, que o distanciamento social salva vidas, muitas vidas. Estudos feitos pelo Imperial College, renomada instituição de ciência, tecnologia e medicina em Londres, estimam que no Brasil, com isolamento social elevado, há a previsão de cerca de 40 mil mortos pela pandemia, já sem qualquer isolamento, esse número poderia passar de 1 milhão de mortos. A diferença é gigantesca.
            
Mesmo que você não esteja em um grupo suscetível a desenvolver a doença, você ainda pode transmitir o vírus para pessoas em situação de maior risco, e mesmo que você tenha um bom plano de saúde que te dê mais acesso a leitos de UTI, você pode transmitir o vírus para pessoas que necessitam do sistema público de saúde. Então, o isolamento social não é apenas uma forma de prevenção individual, é, acima de tudo, um ato de cidadania.

Mas, aqui no Brasil, adota-se o argumento de que a retração econômica ocasionada pelo isolamento social levaria muitas pessoas à miséria e, consequentemente, causaria perda de vidas. Esse argumento é uma falácia.

Vejamos o PIB Brasileiro, que é o somatório de toda a “riqueza” que é produzida no País, e em 2019 foi de 7,3 trilhões de reais. Vamos fazer uma suposição bastante rigorosa de que o isolamento social de alguns meses retraísse esse PIB anual em aproximadamente 20% e, portanto, o PIB para este ano poderia ser aproximadamente 6 trilhões. Isso equivale a um PIB per capita anual de cerca de R$ 36.500,00 (aproximadamente R$ 3.000 mensais).  Considerando que um quarto de toda a população brasileira atualmente sobrevive com menos de R$ 420,00 mensais, percebe-se que, de alguma forma, há recursos suficientes para que todos os brasileiros sobrevivam a um isolamento rigoroso por algum tempo. Mas, para isso, a classe média e as elites econômicas deverão abrir mão de alguns de seus privilégios e de parte de sua renda por alguns meses, e é exatamente aqui que está o problema.
            
O fato é que só representantes de entidades empresariais saíram às ruas em seus carros pressionando o governo para terminar com o isolamento social e pedindo a abertura da economia. Os trabalhadores assalariados, autônomos, desempregados e população pobre em geral não fizeram qualquer movimentação nesse sentido.
            
O triste dessa história é que nenhum dos que saíram às ruas em carreatas pressionando pelo retorno da atividade econômica estará nos ônibus lotados, em linhas de montagem confinadas ou no atendimento do público em centros comerciais aglomerados.   
            
Mesmo no início do isolamento, quando a grande maioria da população ficou realmente em casa por cerca de 10 dias, essas pessoas que saíram posteriormente às ruas provavelmente não estavam satisfeitas, só estavam com receio de externar suas convicções egoístas e precisavam que algum imbecil aparecesse para lançar a ideia de que a economia valia mais do que vidas humanas.
            
E ninguém melhor que o rei dos imbecis para fazer isso. Então ele, o Presidente Jair Bolsonaro, em rede nacional, fez um discurso cheio de mentiras e falácias, dizendo que a população precisava voltar à normalidade imediatamente, que a pandemia se tratava de uma gripezinha, que o Brasil já tinha uma cura para a doença, que só idosos eram contaminados e por aí vai. Só nesse discurso ele cometeu uns 15 crimes de responsabilidade, além de tentar provocar um verdadeiro genocídio.

Como resposta do sistema “democrático com instituições fortes”, o Presidente recebeu alguns pares de notas de repúdio, e no dia seguinte seguiu com as suas atrocidades.

O Brasil parece um país bastante complexo, mas, no fundo, é bastante lógico.
            
Então, logicamente, vamos perder essa batalha de novo. As pessoas aos poucos vão voltando às ruas e aos ônibus lotados, vão se convencendo através de falácias, mentiras oficiais e subnotificações grosseiras, de que a pandemia aqui no Brasil é branda, ao contrário do que vem acontecendo em todo o resto do mundo. Ou então simplesmente são obrigadas a entrarem nesses ônibus para não perderem seus empregos e o sustento de suas famílias.
            
De qualquer forma, para todas as pessoas que continuam lutando pela vida e por justiça social no Brasil, deixo um recado: A história do país já cansou de mostrar, e dessa vez provavelmente não será diferente, que os ratos têm total desprezo pela vida humana, então, mais uma vez, perderemos essa batalha.

Mas não desista, pois perderemos de novo, de novo e de novo. Perderemos quantas vezes forem necessárias para podermos dormir com a consciência tranquila e para podermos sair às ruas, quando essa loucura terminar, de cabeça erguida, prontos para as próximas derrotas.




sexta-feira, 5 de julho de 2019

Existe uma fórmula para a felicidade?


À primeira vista, quando escutamos a pergunta “existe uma fórmula para a felicidade?”, obviamente imaginamos que a resposta seja “não”. Como uma coisa tão complexa poderia ter uma fórmula definida?

De qualquer forma, nada que conhecemos é mais complexo que o Universo em si, suas partículas, ondas, energias e movimentos, mas, mesmo assim, ao menos a pequena parte dele que conseguimos decifrar se comporta através de equações e constantes matemáticas perfeitamente definidas. Dessa forma, me parece que a simples complexidade de uma questão não pode servir de justificativa para que se admita que não existam soluções precisas.

De acordo com o escritor Andrew Tomas, “O homem só é civilizado quando se lembra do dia de ontem e sonha com o dia de amanhã. O primata começou a deixar o reino animal quando desenvolveu um cérebro superior e uma postura ereta. Tornou-se um verdadeiro homem quando se aventurou nos domínios do pensamento abstrato...”.

Desde essa “aventura” já se passaram milhares de anos, com diversas civilizações altamente avançadas e, ao que me parece, a razão final de vida dos seres humanos ao longo de todo esse tempo é sempre a felicidade. Então, se existir mesmo uma fórmula para a felicidade, alguém já deve ter descoberto, certo? Embora a ignorância humana tenha destruído muitos materiais escritos ao longo dos anos, ainda assim temos um vasto material para consulta.

Mas aonde procurar? Filosofia, ciência, religião? De qualquer forma, provavelmente os cientistas refutarão os conceitos da religião e vice-versa, uma vez que ciência e religião não podem ser misturados, e jamais chegaremos a um consenso definitivo ou pontos de convergência, correto?

Será mesmo? Não custa nada verificar.

Podemos fazer uma pesquisa entre os grandes nomes da história da humanidade, pessoas notáveis e diferenciadas em relação ao senso comum de suas épocas. Podemos pesquisar o que essas pessoas pensaram sobre a felicidade. Se houver mesmo uma fórmula para essa complexa questão, ela deve partir de uma mente brilhante, independente da “área de atuação” da pessoa.

Começando pela milenar filosofia oriental: Há mais de 2.500 anos, são atribuídas ao filósofo e pensador Chinês Confúcio as seguintes citações:


“Refeições simples, água para beber, o cotovelo dobrado como travesseiro; aí está a felicidade. As riquezas e a posição sem integridade são como as nuvens que flutuam.” 

“A melhor maneira de ser feliz é contribuir para a felicidade dos outros”

“Muitos procuram a felicidade acima do homem! Outros, mais abaixo. Mas a felicidade é exatamente do tamanho de um homem”.


Um século mais tarde, na Grécia, Sócrates, considerado o homem mais sábio de sua época, pregava basicamente que a felicidade se origina na “virtude”.

No diálogo “Apologia de Sócrates”, de Platão, aparece a seguinte transcrição:


“Sócrates: [Eu os exorto] a não se importar por suas pessoas ou suas propriedades mais que pela perfeição de suas almas [...] pois a virtude não vem da riqueza, mas da virtude vem a riqueza e todas as outras coisas boas para o homem, tanto para o indivíduo quanto para o Estado” (Platão, 1995, 30 a 8- b 4).


Platão complementa o seu “mestre” e defende que o homem só atingirá a felicidade quando abandonar o mundo sensível em direção ao mundo inteligível, que permite chegar à ideia do bem, que é a causa das ideias perfeitas como a beleza, coragem, justiça e felicidade. Platão considera que a felicidade é o resultado final de uma vida dedicada a um conhecimento progressivo que permita atingir a ideia do bem.
Já Aristóteles defende que a felicidade só pode ser alcançada pelo homem quando agir conforme a virtude que o distingue dos demais seres: a razão. No entanto, embora compreenda que a contemplação intelectual seja uma condição necessária para alcançar a felicidade, não é uma condição suficiente. Para o homem atinja a felicidade deve praticar outras virtudes que possibilitem o bem-estar material e social.
Saindo da Grécia e voltando para a China, entre os séculos III e IV A.C. o pensador Chuang-Tzu escreveu o seguinte trecho sobre a felicidade:

“Mas existe um limite próprio para cada uma a partir do qual tudo mais que possa ser desejado apenas levará a lamentações. Quem quer mais do que lhe é dado, sofre inutilmente sem que ninguém o esteja a castigar. Quando nos prendemos demasiado às coisas, sentimos perdas e ganhos; e a alegria e o sofrimento são o resultado de perdas e ganhos. Só quem larga essas pode se sentir verdadeiramente feliz. A única liberdade a que os homens podem aspirar tem que estar inserida dentro dos limites naturais da sua condição humana e da sua natureza. Só devemos tentar fazer o que podemos realmente fazer. A nossa liberdade de ação tem limites.


Quem não gosta do que tem, porque pensa que podia ter melhor, é desagradecido e é estúpido. Abdica da única liberdade que um homem pode ter para optar em vez disso pela ansiedade constante de tentar ter o que nunca vai ter. Quem não gosta do que é, acabará por passar a sua vida frustrado, tentando ser o que nunca vai ser.

Aqueles que aceitam o curso natural das coisas ficam sempre tranquilos quer nas ocasiões alegres quer nas tristes. Quem apenas gosta da felicidade, sofrerá com a tristeza. Quem aceita com tranquilidade a inevitabilidade da morte, sabe tirar melhor proveito da vida. De que serve não a aceitar? Querer ter o que se não pode ter é ficar preso para sempre. Quem apenas gosta da vida, sofrerá com a morte. Quem apenas gosta do poder, sofrerá com a sua perda.”

Mesmo para os filósofos que defendem que a felicidade é baseada no prazer e rejeitam qualquer tipo de transcendência, como Epicuro (também Grego), ainda há ligação da felicidade com a virtude e com o bem. Na clássica Carta a Meneceu Sobre a Felicidade, Epicuro cita:

“Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos prazeres dos intemperantes ou aos que consistem no gozo dos sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso pensamento, ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas ao prazer que é ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma. Não são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a posse de mulheres e rapazes, nem o sabor dos peixes ou das outras iguarias de uma mesa farta que tornam doce uma vida, mas um exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição e que remova as opiniões falsas em virtude das quais uma imensa perturbação toma conta dos espíritos. De todas essas coisas, a prudência é o princípio e o supremo bem, razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria filosofia; é dela que originaram todas as demais virtudes; é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza e justiça, e que não existe prudência, beleza e justiça sem felicidade. Porque as virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade é inseparável delas.”

E isso tudo foi muito antes do Cristianismo, embora me pareça que há claras semelhanças nessas citações com os ensinamentos de Jesus contidos no Novo Testamento. Jesus sugere uma vida desapegada a qualquer riqueza material e sugere que a felicidade está no bem, na solidariedade e no amor.

“Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.” (Mateus 22:21). 


“Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, e segue-me.” (Mateus 19:21).

”Há maior felicidade em dar do que em receber'”. (Atos dos Apóstolos 20:35).

“Ame o seu próximo como a si mesmo” (Marcos 12:31).

E o que dizem outros pensamentos religiosos?
O budismo, por exemplo, nos ensina que existe felicidade ligada às coisas “impermanentes”, mas que essa é finita e, geralmente, rápida. Além disso, essa felicidade, até pela sua própria finitude, pode nos causar sofrimentos equivalentes. No livro “Meditando a Vida”, o ex-professor de física quântica da UFRGS e budista Padma Samten nos passa a seguinte noção de “Felicidade Permanente”, segundo a cultura milenar budista:

“… Mas há um tipo de felicidade que, quando obtida, traz benefícios para a pessoa que a alcançou e para todos os demais, instantaneamente. Mais que isso: essa felicidade é permanente, não tem fim. 


… Trata-se de uma liberação, é algo que não termina.

As qualidades que brotam da liberação não são passíveis de perda. Essa é a felicidade de liberar as seis emoções perturbadoras – orgulho, inveja, desapego/apego, obtusidade mental, carência e raiva/medo. Quando se consegue isso, o mundo muda, passa a ser uma fonte de felicidade radiante, que não depende de fatores externos, nem de objetos. É a felicidade permanente.”

No século I, Epiteto, o respeitado filósofo grego que viveu como escravo em Roma, afirmava que uma vida feliz e uma vida virtuosa são sinônimos. Felicidade e realização pessoal são consequências naturais de atitudes corretas.
Cláudio Galeno de Pérgamo, um importante médico e filósofo romano, também de origem grega, no século II afirmou:

“(…) um homem demasiado apegado [às honrarias, à riqueza e ao poder político] é obrigado a levar a vida mais infeliz possível, pois não tem a mínima ideia do que seja a virtude da alma, aumentando os vícios que há nela e sofrendo incessantemente, porque não é capaz de atingir aquilo que planejou. De fato, os maiores desejos têm um objetivo insaciável, de sorte que, em estado normal, não se pode confiar neles nem naqueles que confiam neles.”

Aproximadamente na mesma época, Marco Aurélio, considerado o último dos “cinco bons imperadores de Roma”, dentre suas diversas anotações, encontramos trechos sobre a felicidade:
“Muito pouco é necessário para uma vida feliz; está tudo dentro de você, em seu modo de pensar”

“A felicidade da sua vida depende da qualidade dos seus pensamentos”

Passam-se mais algumas centenas de anos e chegamos a Avicena, um cientista persa que viveu entre os séculos X e XI, com obras publicadas em diversas áreas, como medicina, filosofia, matemática, teologia islâmica, física, poesia dentre outras. Sobre a felicidade, ele afirmou:
“Você que ignora o que o destino lhe preparou, possa Deus lhe tirar do seu torpor e abrir os seus olhos. Saiba que a riqueza que você junta ficará para os outros, e que somente a felicidade que você proporciona às pessoas pertence verdadeiramente a você. “

“A mais vantajosa das boas ações é a caridade, e o melhor caráter é aquele que suporta todas as aflições sem se queixar. A pior das ações é a hipocrisia. O homem que não se eleva sobre a turba não permanece sem mácula.”

Já no século XV, Leonardo da Vinci ligava a felicidade ao conhecimento, afirmando que “Felizes serão aqueles que prestarem ouvido à palavra dos mortos: leiam as boas obras e as observem."

René Descartes, físico e matemático francês, que revolucionou a filosofia e a ciência no século XVII, autor da célebre sentença “penso, logo existo”, identifica a ética / filosofia como a realização da sabedoria que é suficiente para a felicidade, cuja o mesmo considera como “a melhor existência que um ser humano pode ter esperança de alcançar”.
Segundo Descartes, a ética consiste sobre duas noções básicas: Noção de Virtude, como uma disposição da vontade para escolher de acordo com o juízo da razão sobre o bem; e a Noção de Felicidade, como um estado de bem estar mental que é conseguido através da prática da virtude.
Immanuel Kant, considerado por muitos como o maior filósofo da era moderna, também indicou, na sua concepção, como o homem deveria proceder em relação aos seus semelhantes para obter a felicidade. Kant postulou o que chamou de “imperativo categórico”: a necessidade de agir de modo que a ação possa se tornar o princípio de uma lei válida para qualquer pessoa. Citando algumas de suas sentenças sobre felicidade:

"A moral não nos ensina a sermos felizes, mas como devemos nos tornar dignos da felicidade."

“Não somos ricos pelo que temos, e sim pelo que não precisamos ter.”

“A felicidade não é um ideal da razão mas sim da imaginação.“
E chegamos ao século XX, com o pai da física quântica, Albert Einstein, que também resolveu dar alguns pitacos sobre o tema:
“Uma vida simples e tranquila traz mais alegria que a busca pelo sucesso em uma inquietação constante.” 

"Somente uma vida vivida para os outros é uma vida que vale a pena."

Realizando esse breve exercício, percebe-se que homens notáveis em todas as épocas das quais temos registros, de áreas de conhecimento distintas, nos brindaram com seus conhecimentos e percepções sobre o tema “felicidade” e, ao contrário do que poderíamos imaginar, há incríveis pontos de convergência entre cientistas, religiosos e filósofos.

São muito reincidentes nos registros ligações da felicidade humana com conceitos como virtude, justiça, conhecimento, ética, solidariedade, generosidade, compaixão. Além disso, se percebe convergência muito clara em torno da ideia de que a felicidade real e permanente não está relacionada ao poder, às riquezas e aos bens materiais, tão pouco está diretamente relacionada aos acontecimentos da vida, mas sim com a forma com que cada um de nós encara os mesmos.
Voltando ao início do texto e respondendo à pergunta inicial: É óbvio que não existe uma fórmula matemática pronta sobre como devemos proceder em cada situação para termos uma vida feliz, mas podemos “prestar ouvido à palavra dos mortos”, como disse Da Vinci. Um grande número de pensadores, filósofos, religiosos e cientistas se debruçaram sobre o tema ao longo da história da humanidade, e parece que os caminhos que nos mostraram converge de maneira impressionante para alguns pontos. Basta prestarmos muita atenção para trilhar esse caminho. O conhecimento está disponível.
Terminarei este texto citando dois trechos do livro “Em busca de Sentido”, de Viktor Frankl, um neuropsiquiatra austríaco que ficou por anos preso em campos de concentração nazistas e, após a libertação, fundou a logoterapia, conhecida como a terceira escola vienense de psicoterapia.

“Não procurem o sucesso. Quanto mais o procurarem e o transformarem num alvo, mais vocês vão errar. Porque o sucesso, como a felicidade, não pode ser perseguido; ele deve acontecer, e só tem lugar como efeito colateral de uma dedicação pessoal a uma causa maior que a pessoa, ou como subproduto da rendição pessoal a outro ser.“ 


“Ao declarar que o ser humano é a criatura responsável e precisa realizar o sentido potencial de sua vida, quero salientar que o verdadeiro sentido da vida deve ser descoberto no mundo, e não dentro das pessoa humana ou de sua psique, como se fosse um sistema fechado. Chamei essa característica construtiva de “a autotranscendência da existência humana”. Ela denota o fato de que algo ou alguém diferente de si mesmo – seja um sentido a realizar ou outro ser humano a encontrar. Quanto mais a pessoa esquecer de si mesma – dedicando-se a servir uma causa ou amar outra pessoa - , mais humana será e mais se realizará. …. a autorealização só é possível como um efeito colateral da autotranscendência.”




Muito obrigado pela leitura.


Fontes de consulta:

Livro “Não Somos os Primeiros” - Andrew Tomas