sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Será enterrada parte da história de São Marcos?





Meu nome é Daniel Rech, sou engenheiro e trabalho há anos na área de transporte e mobilidade. Nasci na cidade de São Marcos, uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul, localizada na Serra Gaúcha.

Não importa o quanto longe se vá, não importa há quanto tempo se partiu, o local onde nascemos e crescemos irá sempre com a gente, é inevitável, define uma grande parte de quem somos. Quando recebi a informação de que está sendo planejado o asfaltamento da principal via central de São Marcos, que há mais de 60 anos é pavimentada com paralelepípedos, tive uma sensação de tristeza, mesmo não residindo mais na cidade.

Tecnicamente, esse projeto é questionável por diversos aspectos, a começar pela grande diminuição da taxa de permeabilidade do solo com a colocação do asfalto, o que é sempre preocupante, ainda mais em uma cidade que vem sofrendo com eventos de alagamento no centro cada vez mais frequentes.

O custo de manutenção de uma via asfaltada, da sinalização da mesma e das novas redes de drenagem que provavelmente serão necessárias será sempre mais alto em relação ao custo atual.

Especificamente em relação ao trânsito, a experiência nos mostra de maneira inequívoca que quando se asfalta uma rua, a velocidade média imprimida pelos veículos aumenta consideravelmente. Considerando que o excesso de velocidade é o principal fator de risco para “acidentes” de trânsito e atropelamentos, além de ser o principal fator agravante dos mesmos, essa medida é temerária e vai na contramão de todas as campanhas por um trânsito e uma cidade mais humanos e seguros. Imagino, por experiência própria, que no primeiro mês após o asfaltamento da via, a Prefeitura receberá diversos pedidos de moradores da rua solicitando a instalação de lombadas para reduzir a velocidade dos veículos.

Do ponto de vista legal, a medida também pode ser questionada, uma vez que a Lei Federal N° 12.587, de 03 de janeiro de 2012, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, estabelece como princípio básico a segurança no deslocamento das pessoas e institui como diretriz a prioridade dos modos de transporte não motorizados sobre os motorizados. O asfaltamento da via central da cidade é uma medida que visa claramente o contrário, ou seja, a priorização do automóvel.

Mas, mesmo conhecendo essas informações, não foi isso que me causou tristeza. O que realmente me incomoda é o fato de que a principal via central do Município é parte primordial da história do mesmo. Executando uma camada de asfalto sobre o pavimento atual, será enterrada uma pequena parte dessa história e, por consequência, uma pequena parte da história das pessoas que viveram ou vivem na cidade.
Uma cidade não aparece do nada, não se materializa do dia para a noite, uma cidade tem uma história, construída ao longo de muitos anos por muitas pessoas. Conhecendo e preservando essa história, podemos entender melhor quem fomos, quem somos e saber com muito mais clareza para onde queremos ir. Parece uma coisa pequena alguns paralelepípedos em uma rua central de um município do interior, mas acredito que não seja assim. Infelizmente, no Brasil, não temos uma cultura popular de preservação da nossa história e talvez até por isso tenhamos tanta dificuldade em definir uma identidade própria e encontrar as características comuns que nos definam como nação. 

Tenho a esperança de que um dia possa ser mudada essa história e essa consciência seja desenvolvida em grande parte da população. Espero que quando esse dia chegar ainda reste alguma coisa a ser preservada.

Gostaria de deixar bem claro que esse texto não tem qualquer pretensão de realizar críticas políticas ou fomentar qualquer polêmica, apenas resolvi externar meu sentimento e minha opinião em relação ao tema.


“Um povo que não conhece sua história está condenado a repetir seus erros”





2 comentários:

  1. Dani! Lindo texto. Quando recebi a notícia pensei exatamente a mesma coisa. Talvez esses pontos abordados no teu texto sejam claros para nós que não mais residimos na cidade? Para mim um investimento em saneamento básico seria tão mais coerente em uma cidade que recentemente foi alagada por uma chuva. Alagamento este que aconteceu também na rua principal da cidade, a mesma que ser a asfaltada! Além disso, como comentou, uma cidade ainda tão pequena, com costumes tão singulares deveria sim preservar sua historia e construir dali, exemplos que envolvem cidadania, conservação do patrimônio e investimento de dinheiro público onde realmente precise!

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  2. Eu chamo isso de burrice, o calçamento com paralelepípedos ecologicamente viável e convenhamos , muito mais charmoso. Sou de uma pequena cidade mineira que também abdicou do paralelepípedo e quando chove percebemos o quanto a impermeabilização do solo prejudica.

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